34 | Margarida Fardilha et al. | Fosforilação: desregulação e oncogénese
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Revista Portuguesa de Oncologia | agosto 2013 – 2: 31-37 | 35
Melanoma
A incidência de melanoma cutâneo tem aumentado nas últimas décadas
a nível mundial55. Em Portugal, dados do Registo Oncológico Regional
demonstram que a incidência de melanoma é de 6-8 casos por cada 100.000
habitantes56. A transição de melanócitos saudáveis para tumores metastáticos
ocorre devido a alterações de processos fisiológicos da célula, frequente-
mente por alterações na fosforilação55.
PKB (ou AKT) é uma cinase que está frequentemente desregulada no
melanoma. A via de sinalização PI3K/PKB inicia-se com a ativação
de recetores cinase, integrinas ou outros estímulos que ativem a PI3K
(Phosphoinoside-3 kinase). A ativação desta cinase leva à produção de PIP3
que, por sua vez, tem como função ancorar PKB à membrana plasmática
onde é ativada por fosforilação pela PDK1 (Pyruvate dehydrogenase lipoamide
kinase isozyme 1). A diversidade de funções da PKB está reetida na
diversidade de substratos desta enzima: PKB está envolvida na apoptose,
através de inibição de proteínas pró-apoptóticas (Bcl-2 e Bax) e ativação
de proteínas anti-apoptóticas (XIAP); regulação do crescimento celular
através do seu efeito na mTOR; e regulação do ciclo celular e proliferação
através da inibição de proteínas como CDK, ciclinas e p53. Esta diversidade
de funções faz com que uma desregulação da PKB, quer seja direta ou
indiretamente, cause um desequilíbrio celular grave que culmina no
desenvolvimento de células cancerígenas57.
Dos casos de melanomas esporádicos, 43-67% apresentam níveis de
atividade da PKB aumentados sugerindo que a atividade de fosforilação
desta cinase desempenha um papel importante no desenvolvimento
de melanomas. Também foi demonstrado que em melanoma a PTEN
apresenta perda de função, principalmente numa fase mais avançada58.
A PKC (Protein kinase C) despenha um papel ambíguo no desenvolvi-
mento do melanoma. PKCε é um oncogene cuja capacidade oncogénica
está associada com a capacidade de fosforilar e ativar a STAT3 e o ATF2.
STAT3 é um fator de transcrição cuja ativação leva ao aumento da divisão
celular enquanto a fosforilação do ATF2 previne a sua translocação para
a mitocôndria inibindo a apoptose. No melanoma os níveis de PKCε são
elevados, associados a prognósticos reservados. Por outro lado, PKCβ está
associada à diferenciação de melanócitos, redução da invasão e aumento da
apoptose, indicando uma função de supressão tumoral. Níveis de expressão
de PKCβ são reduzidos ou até indetetáveis em 90% das linhas celulares
de melanoma reforçando a sua função como supressor tumoral59,60.
Em suma, a desregulação da fosforilação de proteínas no melanoma despenha
um papel fundamental na aquisição de capacidade oncogénica. Esta desre-
gulação verica-se em diversos níveis desde: 1) desregulação da atividade de
fosforilação da PKC causando insensibilidade a estímulos apoptóticos e au-
mento da divisão celular; 2) aumento da atividade da via PI3K/PKB/mTOR.
Retinoblastoma
Retinoblastoma é o cancro ocular mais comum em crianças. Tipicamente
ocorre em crianças com menos de 6 anos e tem uma incidência de 1 caso
por cada 15.000-20.000 nascimentos61, cerca de 5 novos casos por ano56.
A pRB foi a primeira proteína a ser associada ao aparecimento do
retinoblastoma. Esta proteína é um supressor tumoral responsável por
um checkpoint durante a transição entre a fase G1 e S, através da repressão da
transcrição de vários genes, sendo a sua ação controlada pelo seu estado de
fosforilação. No início da fase G1 a proteína encontra-se hipofosforilada,
ligando-se ao fator de transcrição EF2, impedindo a sua migração para
o núcleo e assim a transcrição de genes essenciais para transição G1/S.
Quando a célula progride no ciclo celular (fase S) a fosforilação da pRB
pelas CDKs e diminuição da ação de fosfatases como a PPP1 (Phosphoprotein
phosphatase 1), determina a libertação do EF2. Quando a célula entra
novamente em fase G1 do ciclo celular a PPP1 remove todos os grupos
fosfatos da pRB e esta volta ao seu estado de hipofosforilada62. Na figura 3
está ilustrado o estado de fosforilação da pRB ao longo do ciclo celular.
Perda de função da pRB para além de ligada ao aparecimento de
retinoblastoma está associada ao aparecimento de cancro do pulmão e
mama63,64. Também foi provado que mutações na pRB que alterem os
domínios de ligação a proteínas cinase e fosfatases (CDK e PPP1) levam a
uma desregulação do ciclo celular e consequentemente a uma proliferação
descontrolada65.
Mecanismo de fosforilação como alvo para a terapêutica
Atualmente, cerca de um terço das substâncias a serem alvo de ensaio
clínico atuam ao nível das cinases, frequentemente com o intuito de as
inibir1. No caso da terapêutica oncológica, a abordagem pelas vias de
transdução de sinal tem vindo a ganhar relevo com a utilização já na
prática clínica de diversos fármacos. As estratégias para abordar esta questão,
focam-se essencialmente em quatro vias: oligonucleótidos antisense,
anticorpos monoclonais, vacinas imunoterapêuticas e pequenas moléculas.
No primeiro caso, procura-se inibir endogenamente a síntese da proteína.
Anticorpos monoclonais bloqueiam proteínas que sejam facilmente
acessíveis inibindo a sua função, enquanto as vacinas imunoterapêuticas
visam promover a resposta imunitária ao cancro. A utilização de pequenas
moléculas tem sido privilegiada por mais facilmente atingirem o alvo e
apresentarem uma maior diversidade de efeitos. A ligação a centros ativos
ou alostéricos pode, por exemplo, modular o nível de atividade, facilitar a
Figura 3: Regulação do ciclo celular pela pRB evidenciando o papel da fosforilação
de ação, esta tem sido testada no tratamento do cancro da próstata.
Podemos concluir que face à importância das alterações do processo de
fosforilação no processo oncogénico é natural que tanto as cinases como
as fosfatases e seus reguladores se apresentem como alvos terapêuticos
preferenciais para o desenvolvimento de novas terapias para o cancro.
Para uma maior eficácia é necessário uma melhor compreensão do papel
das fosfatases e cinases nos sistemas biológicos, um conhecimento mais
aprofundado da relação estrutura-função, avaliar o impacto de mutações ou
alterações de expressão na resistência à terapêutica e identificar as proteínas
com que cinases e fosfatases interagem e qual a relevância desta interação no
sistema biológico. Além disso, a escolha de alvos específicos permite reduzir
os efeitos secundários e a utilizações de combinações terapêuticas adequadas
confere uma resposta mais abrangente ao cancro75.
Conclusão
Alterações no processo de fosforilação estão patentes em múltiplos tipos
de cancro. O aumento da expressão ou da atividade de recetores de FC
(com atividade cinase) ou hormonais (fosfoproteínas que atuam como
fatores de transcrição) determinam a ativação excessiva de vias de trans-
dução de sinal que culminam na aquisição de um fenótipo oncogénico.
Das vias de transdução de sinal mais amplamente alteradas destacam-se as
vias do PI3K/PKB/mTOR, PKC e Raf/MEK/ERK, nas quais o mecanismo de
fosforilação desempenha um papel central. Alterações no ciclo celular e
na estabilidade genómica também são transversais a múltiplos cancros.
Desta forma a terapêutica dirigida ao processo de fosforilação apresenta-se
como uma alternativa viável, sendo que a identificação de alterações
altamente específicas para o cancro é fulcral para a eficácia da mesma.
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destruição do alvo ou alterar a sua localização subcelular1.
No cancro da mama, a primeira abordagem terapêutica passa, pela terapia
endócrina66. Esta visa bloquear ou diminuir a sinalização hormonal, pela
diminuição da produção das hormonas sexuais (por exemplo, utilizando
inibidores da aromatase no cancro da mama67), antagonização do ligando
(o tamoxifeno antagoniza os estrogénios68) ou sub-regulação da sinalização
(modo de atuação do fulvestrant69). Todas estas abordagens visam diminuir
a ativação dos recetores hormonais, fosfoproteínas cuja atividade é deter-
minada pelo estado de fosforilação. Todavia, após a resposta inicial
desenvolve-se invariavelmente resistência a esta terapêutica. A resistência
adquirida prende-se com o aumento da atividade das vias de fatores de
crescimento e diminuição da expressão ou atividade de elementos da via
do RE, enquanto que a resistência inata é determinada, principalmente,
pela presença de c-erbB-21,70. Com o intuito de reverter esta resistência,
várias estratégias têm vindo a ser postas em prática que visam inibir as
vias de sinalização desencadeadas por FC, havendo já diversos exemplos
introduzidos na prática clínica. O gefitinib inibe reversivelmente a auto-
-fosforilação do EGFR e, portanto, previne a sinalização71. O Lapatinib
inibe o EGFR e c-erbB-2 por ligação reversível ao local de ligação ao
ATP1. O Trastuzumab, por seu turno, é um anticorpo que se liga ao
domínio extracelular do c-erbB-2 e inibe a proliferação e sobrevivência
em tumores c-erbB-2 positivos72. Inibidores do IGFR também se encontram
em fase clínica de desenvolvimento1.
Como verificado anteriormente, as vias de sinalização iniciadas pelos
FC propagam-se por meio de diversas vias intracelulares, sendo das
mais importantes as do Raf/MEK/ERK e do PI3K/PKB/mTOR. Assim,
urge também inibir as vias destas cinases, encontrando-se disponíveis
fármacos que atuam em vários pontos distintos destas vias. Por exemplo,
é possível atacar a via do PI3K inibindo-se diretamente esta cinase
(LY294002) ou inibindo o seu alvo utilizando neste o everolimus ou o
temsirolimus70,73. Apresentando-se o cancro como uma patologia mul-
tifatorial e heterogénea, torna-se por vezes mais adequado a utilização
de terapias combinadas as quais compreendem a atuação concomitante
em várias vias de sinalização ou em diversos pontos da mesma via.
Em teoria, desregulações no estado de fosforilação proteico podem ser
atacados com a mesma eficácia quer por via das cinases quer pelas
fosfatases que revertem o processo. Contudo, menos investigação foi
até a data produzida no campo das fosfatases, para além do papel ainda
não totalmente definido das proteínas reguladoras e o menor número
de fosfatases contribuir para que a sua utilização como alvo terapêutico
seja ainda diminuta. Face ao reduzido número de fosfatases, cada uma
delas atua em múltiplos processos celulares e fisiológicos, pelo que a
sua simples inibição não deverá apresentar-se como a abordagem mais
adequada. Assim sendo, a identificação de proteínas com as quais interagem
permitem identificar complexos proteicos mais específicos para um
determinado processo, constituindo assim um alvo terapêutico preferencial.
Aliás, as três substâncias aprovadas que atuam modulando os efeitos da
PPP1, fazem-no através das suas subunidades reguladoras (PPP1 Interacting
Protein - PIPs)3. Por exemplo a histona desacetilase (HDAC) é uma PIP e a
disrupção do complexo PPP1-HDAC pela tricostatina A promove a asso-
ciação da PPP1 com a PKB, levando à sua desfosforilação e, consequen-
temente, à inibição da oncogénese74. Tendo em conta este mecanismo