Isabel ia fazer compras: esmalte de unhas, coisas de toalete. Ela entrou na frente e
eu atrás. Quando saímos – ela na frente e eu atrás – uma vendedora veio correndo,
reteve Isabel pelo braço:
- Senhorita, um instante. A senhora esqueceu uma coisa.Voltamos, Isabel na
frente, eu desta vez no meio, e atrás a mocinha, nervosa, excitada. Aquela mistura
de senhorita com senhora me sugeria variações: ela é senhorita mas dentro de
alguns dias será senhora.O gerente nos esperava junto à caixa.
- Foi essa – e a vendedora ergueu o dedo apontando Isabel: - Tirou uma
caixa de sabonetes e escondeu na bolsa.O sangue me subiu à cabeça, de vergonha
e indignação. Que é que aquela moça estava fazendo? Braço estendido ela acusava
Isabel, que me parecia imóvel como um manequim da própria loja.
- Que é que essa moça está dizendo? – me adiantei: - Quem tirou o quê?
As outras vendedoras olhavam de longe. Alguns fregueses se detinham para
ver. - Calma – disse o gerente: - É melhor não gritar, para evitar complicações. Se
sua amiga tirou os sabonetes . . .
- Mas isso é um absurdo! Só pode ser engano!
- Se for engano, tanto melhor. Vamos olhar a bolsa.
Um pequeno grupo de curiosos se formara ao redor de nós. Mortificado, eu
nem sabia mais o que se passava. Sabia apenas que o gerente tinha um bigode
fino, tão fino que se podia contar os fios.
- Tirou sim – repetiu a moça : - Eu vi quando ela tirou.
Isabel, impassível até então, adiantou-se, abrindo a bolsa:
- O senhor está falando estes sabonetes – e com a maior naturalidade exibiu
ao gerente uma caixinha: - A moça já não cobrou?
- Não cobrei não. Como é que eu podia cobrar?
- Podia cobrar junto com as outras coisas que eu comprei. Tirei na sua vista.
Você não disse que viu ?
O gerente se apressou em encerrar o incidente:
- Um engano. Não é preciso discutir. Um simples engano – e se voltou para a
vendedora, agora intimidada: - Como é que você me faz uma coisa dessas?
- Da próxima vez, mais cuidado – falei também, alto para que os outros
ouvissem, tentando me dominar. Tirei do bolso a carteira: - Quanto é?
Paguei os sabonetes e saímos. Era extraordinário, mas nem por um instante
Isabel se deixava perturbar. E agora ia a minha frente como se nada houvesse
acontecido, com toda a segurança, cabeça erguida, os cabelos sobre os ombros
cadenciando os passos, o movimento firme dos quadris. Era uma nova Isabel, acima
do comércio do mundo e da suas leis. Entre o dedo que acusa e o sobressalto do
coração, impunha respeito com a sua simples presença e depois saía como havia
entrado, serena, absoluta, ela na frente, eu atrás.
Senhorita, senhora, senhorita. Então percebi que ela sempre haveria de ir na
frente e eu atrás.
Dois
Conheci Isabel no jornal. Eu estava na minha mesa escrevendo à máquina
quando ela surgiu diante de mim e perguntou onde ficava a seção de anúncios.